sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DOBRA

Obra de Amilcar de Castro, sem título, 1985. Aço, 110x250x250 cm., aquisição Reitoria USP no Jardim de Esculturas do Museu de Arte Contemporânea, MAC, da USP, Universidade de São Paulo.

“Diante das peças de Serra, a própria arquitetura, praça ou rua que as abriga parece frágil, recente, feita de papelão, e o mundo estranhamente ameaçado, como o próprio eixo vertical-horizontal do espectador. São artefatos pré ou pós-históricos, capazes de abalar a orgulhosa auto-suficiência do capitalismo tardio. Por isso são muros de ferro, apoiados na própria curvatura ou na parede que os abriga, obstaculizando o trajeto e a vista do público. Em Amilcar, ao contrário, é a dobra (e a fissura) o eixo de tudo – é ela quem põe a peça de pé (espécie de enigma primário de toda escultura), e é ela também quem deixa o mundo entrar, multiplicando as vistas para quem percorre o trabalho. A dobra, a partícula de conexão, está no centro do pensamento de Amilcar, que opera assim a partir de uma espécie de troço primal, de “sono rancoroso do minério” [verso de Carlos Drummond de Andrade], que no entanto se parte e se oferece a uma gramática [referência a Ronaldo Brito, “Tempo e Espaço” in Amilcar de Castro, São Paulo, Takano editora, 2001]. É este desdobrar da peça em mundo, este ir-e-vir da opacidade do peso à transparência do vão, que está no centro da poesia de Amilcar. Estes dois momentos aparecem, nas peças de corte-e-dobra, equilibrados numa tensão sóbria que as peças de corte reduzirão depois ao mínimo, transformando os vazios do primeiro grupo de trabalhos em fissuras, rebarbas onde a luz, mais do que a vista, penetrará.”

Nuno Ramos em “O Ferro Futuro (Amilcar de Castro)” in Ensaio Geral. São Paulo: Globo, 2007, p.168.

Um comentário:

  1. ... sono rancoroso do minério...

    Deus, o que nos dizem de estranho esses lindos poetas...

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