sábado, 2 de outubro de 2010

TRIBUTO A SIGMUND FREUD

Da maravilhosa fotografia de Fred R. Conrad sobre a magnífica exposição “Abstract Expressionist New York” no MoMA de Nova Iorque, publicada na reportagem de Roberta Smith no The New York Times de ontem, digo: enquanto o Eu, à esquerda, contempla-se na obra de Lee Krasner, “Untitled” (1949), o Isso, ao fundo, na sala central, mistura-se com “One: Number 31, 1950” de Jackson Pollock, enquanto o Supereu, de perfil, observa outra obra, tendo ao fundo, à direita, “Painting” de Willem de Kooning (1948). Nas palavras de Freud:

“Não devem imaginar essa divisão da personalidade em um Eu, um Supereu e um Isso, separados por fronteiras nítidas, como aquelas que se traçaram artificialmente na geografia política. Não podemos fazer justiça à peculiaridade do psíquico mediante esquemas lineares como no desenho ou na pintura primitiva; mas de preferência mediante campos coloridos que se perdem uns nos outros, segundo fazem os pintores modernos.”

Sigmund Freud, “A Divisão da Personalidade Psíquica” na Conferência 31 das “Novas Conferências de Introdução à Psicanálise” (1933) in Obras Completas, v. XXII, editora Amorrortu, Argentina, 1989, p.74.

Observação sobre a tradução brasileira: há uma boa tradução deste texto pela falecida Editora Delta, no v. XVII de suas Obras Completas – que não são completas. Esta tradução foi feita da edição espanhola da editora Biblioteca Nueva, sem dar este crédito, dando a impressão falsa ao leitor de ter sido realizada diretamente do alemão. Não é verdade. Porém, a outra edição em português é a da editora Imago, uma tradução tão ruim que não merece sequer menção. Aguardemos que a brava editora L&PM de Porto Alegre consiga fazer, através do belíssimo trabalho do sr. Renato Zwick - já nas bancas o imprescindível “O Mal-Estar na Cultura” e o indispensável “O Futuro de uma Ilusão” – , o que nenhuma outra editora brasileira até agora conseguiu – sequer a riquíssima Cia. das Letras com a paupérrima tradução do sr. Paulo “Instinto” César de Souza, mais um assassino de Freud no Brasil – aliás, diga-se deste tradutor que, em seu livro “As Palavras de Freud” (Cia. das Letras, 2010), após fazer uma crítica excelente sobre as traduções inglesa e francesa da obra de Freud, ele dedica um capítulo inteiro (pp. 250-269) para justificar o injustificável, ou seja, o seu crime de traduzir
“Trieb” por “instinto”. Quando um tradutor quer “melhorar” o original, só pode dar merda. Deu. Se Freud quisesse que “Trieb” fosse instinto, assim teria escrito em alemão. Sobre isso, ver a excelente análise do sr. Luiz Alberto Hanns na introdução que fez no primeiro volume da nova tradução das Obras de Freud pela fatídica Imago – que, aliás, não perdeu o bonde e enterrou o trabalho de Hanns com uma edição horrível das notas que ficaram ilegíveis no final do texto, terrível. Pois bem, Hanns assim justifica a sua escolha como tradutor: “O termo “instinto” não foi adotado nesta tradução por ser mais estreito que Trieb e levar a uma compreensão mais desligada dos aspectos volitivos e representacionais também presentes em Trieb e fundamentais para uma compreensão psicodinâmica e metapsicológica do inconsciente. Por esse motivo a escolha recaiu sobre um neologismo oriundo do francês e já usual na psicanálise brasileira, “pulsão”, que, apesar de menos compreensível do que “instinto”, tem a vantagem de remeter foneticamente a algo que “pulsa” e a “impulsão”” (fonte: Obras Psicológicas de Sigmund Freud, v. I, ed. Imago, 2004, p. 144, nova tradução de Luiz Alberto Hanns). Ressalve-se aqui que Renato Zwick foi por um terceiro caminho, e declarou: “No entanto, entre a Cila de um termo impreciso (instinct – e, por extensão, instinto), e o Caríbdis de um horríssono neologismo, acreditamos que haja uma terceira possibilidade, que consiste simplesmente em atentar para os sentidos do termo alemão e buscar o seu equivalente em nosso idioma. Por essa razão, propomos a tradução de Trieb por “impulso”.” (fonte: posfácio de Renato Zwick in O Mal-Estar na Cultura, ed. L&PM, 2010, pp. 190-191). Parabéns a Luiz Alberto Hanns e a Renato Zwick. Com vocês, há Freud em português.

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