quinta-feira, 7 de abril de 2011

OTÍLIA

Fonte: primeira página do Diário da Manhã de Carazinho, Rio Grande do Sul, 6/4/2011. A fotografia é de Angélica Chaves.

Eletrocar é a companhia de energia elétrica de Carazinho. Essa manchete é minha madalena. Foi tropeçar nela e me veio minha querida bisavó Otília. Como faltava luz em Carazinho naquele tempo! E, nas tardes de tempestade, a escuridão, lá ia Otília tirar da parede a palma benta, uma folha de palmeira benzida – em minha ingenuidade católica, achava que benta queria dizer benzida pelo padre, até que Otília um dia me levou para a sua benzedeira particular, o segredo dela, bem longe da cidade oficial, da Igreja central, numa ruazinha de nada, cheiro forte de flores desconhecidas, e lá estava a bruxa, colorida, me pegou pela mão, me falava coisas que só depois, muito depois, me dei conta, paguei a conta, e ela sussurrava, jogava uma água calmante, uma água que ela havia tocado com palavras, eu concentrado, mudo, o medo correndo solto, uma vontade louca de fazer xixi, e então, subitamente, como um relâmpago, a filha da benzedeira irrompe, me rompe a vista, uma menina de passagem, terra de Santa Cruz, minha bisa pedindo mais concentração, me chamando de volta, ralhando comigo em alemão, e eu fora de mim, nela pousado, desconcentrado, não sarado. Repeti a reza brava três vezes, três vezes me pousaram ramos, mas era pouco. Havia a prova da lua cheia, o teste final, onde seria eu e ele, a sós. Dei garantias, menti. Fui nada. Vovó nunca soube. Para ela, eu fui tudo.

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