quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MARIANNE



“Velasquez, après cinquante ans, ne peignait plus jamais une chose définie. Il errait autour des objets avec l'air et le crepuscule, il surprenait dans l'ombre et la transparence des fonds, les palpitations colorées, dont il faisait le cendre invisible de sa symphonie silencieuse. Il ne saisissait plus dans le monde que les échanges mystérieux, qui font pénétrer les uns dans les autres les formes et les tons, par un progrès secret et continu, dont aucun heurts, aucun sursaut, ne dénonce ou n'interrompt la marche. L'espace règne. C'est comme une onde aérienne qui glisse sur les surfaces, s'imprègne de leurs émanations visibles, pour les définir et les modeler. Et, emportées partout ailleurs comme un parfum, comme un écho d'elle, qu'elle disperse sur toute l'étendue environnante en poussières, impondérable.”

Élie Faure in L’Histoire de l’Art Moderne-Tome I citado por Jean-Luc Godard na abertura de Pierrot Le Fou [no Brasil traduzido como O Demônio das Onze Horas].

Só Godard mesmo para colocar Jean-Paul Belmondo em uma banheira, recitando Élie Faure para sua filha em Pierrot Le Fou. Genial! O filme poderia terminar aí que já seria uma obra de arte epifânica. E o que diz Élie Faure sobre Godard, sobre Pierrot? Diz que depois dos cinquenta, e os historiadores nunca sabem muito bem qual a causa das mudanças, então tentam nos convencer que foi a idade que provocou isso, bobagem, há tantas coisas que podem ter mudado Velásquez, tantos encontros decisivos, e aí Godard vê o que Faure não vê, pois coloca Ana Karênina, digo, Karina ou Colombina ou Marianne Renoir no meio do caminho desse Pierrô-Ferdinand, mas então, sem saber, o cego Faure tasca esse depois dos cinquenta, o pintor parou. Ele, que pintava certinho, pintava direitinho, começa a errar pela tela, aéreo, crepuscular, les palpitations, maravilhoso isso, essa força constante que lhe agitava, aquela cor - da pele dela, depressa-, como uma symphonie silencieuse - a voz dela, sussurro - sedosa, sereia querida – eu te escuto -, e aí esse pintor que deixa de ser pintor, se perde pelas échanges mystérieux, nessas trocas misteriosas, lindo isso, qui font pénetrer, ai, ai, ai, há penetrações nesse ar e nesse crepúsculo, desse ar e desse crepúsculo que desce, nessas formas suaves, belas e nesses tons, progrès secret et continu, nome bonito para aquilo que se impõem a ele, o toma pela boca, o devassa, divide o já dividido, nada mais interrompe essa marcha, exceto a morte, a rainha do fim dos passos, dont aucun heurts, aucun sursaut, ne dénonce ou n’interrompt la marche, e, nos diz Faure, é então que l’espace règne, o espaço triunfa, o espaço o sidera, comme um parfum, belíssimo isso, como um cheiro – cheirosa - que se espalha pelo ar, impondérable. O assassino do Tolstói odiaria isso, mas Tchekov, médico de almas e dos corpos sofridos, choraria de alegria. Obrigado, Godard.

4 comentários:

  1. Ferrari,
    Sabe o que seu texto me lembra? Dos filmes mais loucos. Lembra-se da Comilança? Da Flauta Mágica? (esse eu comprei na Livraria Cultura), O discreto charme da burguesia? (esse tb copiei). ...
    abraços

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  2. Cara Marta, A Comilança é magnífico! Sensacional! Já Buñuel, que saudades! A Bela da Tarde, por exemplo, é muito superior ao que o genial Silvio de Abreu tenta fazer em Passione com Estela. Estela, segundo Sílvio, é uma mulher que faz o que faz porque está casada com um mau marido, um brutamontes, um canalha, um sacana. Ora, isso é muito pouco freudiano. Buñuel sim, nos mostra o casamento "perfeito" de Séverine, com um respeitável e "ótimo" marido, porém ela não é feliz e là vai, à tarde, para o bordel! Sensacional! Outro dele maravilhoso é Esse Obscuro Objeto do Desejo. Que maravilha! Também adoro O Discreto Charme da Burguesia. Esses dias vi um da fase mexicana dele, que é o genial O Alucinado, o filme predileto de Lacan. Um grande abraço, Ferrari.

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  3. Nem sempre o crepúsculo é interessante...

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  4. Nem sempre o crepúsculo é interessante...

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