sábado, 7 de maio de 2011

BERNARDO BERTOLUCCI, O HOMEM QUE FEZ 38 ANOS DE ANÁLISE

Bernardo Bertolucci entrevistado por Federica Lamberti Zanardi. Fotografia Corbis, em Nova Iorque, 1996 in La Repubblica, suplemento Il Venerdi, 6/5/2011.

Um encontro em Roma. Na casa de Bernardo Bertolucci em Trastevere, chega Federica Lamberti Zanardi para entrevistá-lo sobre o prêmio especial que o Festival de Cannes estará lhe entregando no próximo dia 11, a Palma de Ouro pela sua carreira no cinema. E aí, desse encontro belíssimo, desse encontro maravilhoso, nós ficamos com os restos, os pedaços, os fragmentos:

“Federica – Quando o Sr. fez Novecento [1900], tinha 32 anos e decidiu embarcar em um filme de 5 horas de duração.
Bertolucci – O grande sucesso de O Último Tango tinha me trazido uma sensação de onipotência. Assim, decidi levar adiante este desafio: fazer um filme sobre o nascimento do comunismo na minha Emília [Emília Romanha, um dos estados da Itália], usando o dinheiro de três distribuidoras norte-americanas. Eu adorei esta ideia de obrigar os americanos a pagar por esta enorme bandeira vermelha, debaixo da qual, no filme, os camponeses bailam como se fosse um grande céu. Uma grande esperança. Um sonho de olhos abertos. Isso que os franceses chamam rêverie, fantasiação. Eu gosto quando encontro em um filme essa ideia de rêverie. (…)
Federica – Em 1968, o Festival de Cannes foi interrompido pelos diretores da Nouvelle Vague em solidariedade pela greve dos operários. Hoje, a França fecha a porta aos desesperados à procura de direitos.
Bertolucci – Eu tenho a impressão que esta decisão seja um braço de ferro político com a Itália. Mas, sobre os direitos, me vem à mente uma frase de Godard. No filme The Dreamers [Os Sonhadores], usei alguns segundos de dois de seus filmes e lhe pedi orientação sobre como proceder com os direitos autorais. Ele me respondeu: “Ça va sans dire Bernardo, tu podes fazer o que quiser com meus filmes, mas lembre-se: não existem os direitos dos autores, mas somente os deveres deles”.(...)
Federica – Quando seu pai morreu, o Sr. declarou: passei da infância à velhice, sem atravessar a idade adulta.
Bertolucci – Veja só isso, eu reencontrei uma poesia de meu pai intitulada A Bernardo aos cinco anos. Ela diz assim: “Vieni a rifugiarti nella nostra ansia” [Venhar refugiar-se na nossa angústia]. Ele pensa através da poesia em sublimar o peso enorme daquilo que diz. E considera a angústia o único lugar seguro em que eu poderia me refugiar.
Federica – Ele dizia que o mal dele era necessário para a sua arte e que a psicanálise teria sido um desastre para ele.
Bertolucci – Ele tinha pânico da análise. Porque morria de medo de descobrir a verdade profunda recoberta pela segurança doméstica.
Fedrica – Ao contrário dele, o Sr. fez análise.
Bertolucci – E fiz uma daquelas que Freud chamava análise interminável: durou 38 anos. Passei por 4 analistas. Comecei aos 25 anos, com sintomas muito estranhos, misteriosos. Que desapareceram quase que subitamente. Mas aí eu já estava preso na rede da psicanálise.
Federica – Foi uma sedução intelectual...
Bertolucci – Todos pensam que a análise seja uma elaboração intelectual. Não é verdade. Ela é baseada sobre a força da intuição, das emoções. Através de uma palavra, a lembrança de um perfume, entendes algo que de outra maneira nunca chegarias a compreender.”

Fonte: entrevista de Bernardo Bertolucci a Federica Lamberti Zanardi in La Repubblica, suplemento Il Venerdi, 6/5/2011.

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