Dasha Zhukova, no museu fundado por ela, o Garage Center for Contemporary Culture em Moscou, 2008. Fotografia de Gueorgui Pinkhassov/Magnum Photos/SNOB na reportagem de Julia Ioffe, “Garage Mechanics” in The New Yorker, 27 de setembro de 2010.
“Comentavam que no passeio à beira-mar, apareceu uma personagem nova: uma senhora com um cachorrinho.”
Anton Tchekov em A Senhora com o Cachorrinho in Lendo Tchekov de Janet Malcolm. Tradução de Tatiana Belinky, Ediouro, 2005, p.181.
“Escultura de niebla # 08025 (F.O.G.)” de Fujiko Nakaya no Museo Guggenheim Bilbao – instalação permanente no espelho de água que circunda o museu, com duração de 5 minutos, em horas incertas. Doação de Robert Rauschenberg.
Fonte: do livro Lettres d'amour, editora Faucheux , do editor Claude Tchou, citado no blog Au Carrefour Étrange em 15 de maio de 2010.
Ali ele vai, com le coeur plein, o coração pela boca, antecipando esse quelques jours, cada segundo, em que as provas do amor ardente virão aos borbotões, jorrarão – é a tradução correta para este te donner – , e ele reclama dela, tu ne m’écris plus, sente saudades demais, cruelle femme, e aí ele lhe diz o indizível, que sans toi, sem teus lábios lindos, sans ton coeur, sem tua pele cheirosa, sans ton amour, sem tua doce alegria, sans la petite forêt noire, humm...sem, digamos de modo sereno, teu aconchego dengoso – há outros sentidos para essa petite forêt noire que um bom tradutor cora só de pensar – , então, ele insiste, mille baisers, serão mil, serão milhares, esse impaciente comandado decreta que todo esse alvoroço significa que vivre dans une Joséphine, viver com ela, nela, c’est vivre dans l’Élysée, é viver no Eliseu. Assim ele vai.
Só duas coisas conseguiram (des)feri-lo até a poesia: o Pernambuco de onde veio e o aonde foi, a Andaluzia. Um o vacinou do falar rico e deu-lhe a outra, fêmea e viva, desafio demente: em verso dar a ver Sertão e Sevilha.”
João Cabral de Melo Neto in O Artista Inconfessável. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 151.
Fonte: O Estado de São Paulo, 9 de setembro de 2010.
Dói. Carazinho não aparece na lista das melhores universidades. O que é Cambridge perto do beijo da Rosângela, um só, no auditório do La Salle, em uma tarde que anunciava o fim de uma estação? O que é Harvard perto da mão da Manon, no Rui Barbosa, uma só, pelo meu rosto a escrever o infinito? Carazinho não é apenas uma fotografia na parede. Como dói!
Fotografia de Bill Cunningham in “Foot Notes”, na coluna “On the Street”, sobre a semana de moda em Nova Iorque in The New York Times, 12 de setembro de 2010.
“Das kleine schwarze von frau Schwartz” [tradução: “o dengoso scwarze da bela Schwartz”] por Wolfgang Schiller (“fotowosch” in flickr) em 19 de junho de 2010, Eutin, Alemanha.
“E parecia que faltava pouco para chegarem a uma decisão, e então começará uma vida nova, maravilhosa; e era claro para ambos que ainda estavam longe, muito longe do fim, e que o mais complicado e difícil estava apenas começando.”
Anton Tchekov em A Senhora com o Cachorrinho in Lendo Tchekov de Janet Malcolm. Tradução de Tatiana Belinky, Ediouro, 2005, p.198.
Isabel Wilkerson por Erik S. Lesser in The New York Times, 8 de setembro de 2010.
A escritora Isabel Wilkerson contou a Charles McGrath uma belíssima história sobre o inconsciente. Autora de um recente livro chamado The Warmth of Other Suns, magnífico título, algo como “o calor de outros sóis”, referência ao sol do norte das migrações, mas também o sol do que se transmite em uma família, significantes fundamentais, sobre a migração dos negros norte-americanos, do sul escravista para um norte dos sonhos, ela conta sobre a máquina de escrever que pertenceu a seu avô, Charles Richardson. Esse homem, ascensorista em Roma, na Geórgia, an elevator operator, com seu mísero ordenado, comprou uma máquina de escrever, um outro meio de transporte, pelas palavras, para uma outra Roma, e escreveu nela suas memórias, nunca publicadas, mesmo lhe sendo proibido caminhar pela rua até o jornal mais próximo, ainda que esta cidade e este país lhe obrigassem a nunca ter de sair desse elevador, em que o lugar do negro não era o de passageiro, mas sim o de empregado, coisa, mobília fixa, um imóvel – aliás, no livro, Isabel também conta sobre o tribunal do júri da Carolina do Norte, em que havia duas bíblias para se fazer o juramento – uma bíblia para os brancos e outra bíblia para os negros. Pois bem, eis que duas gerações depois, a neta do ascensorista, que começou a escrever o livro em Chicago, decidiu dar a volta, retornar sobre os passos de seus pais e antepassados, donna mobile, inconformada, habitada pelos significantes dessa história – ela foi morar em Atlanta, onde levou 15 anos para terminar o livro – ela diz que needed to be here, only I didn’t know it, tinha de estar ali, ainda que não soubesse porque. Do avô para a neta e, agora, da neta para o avô. Há sol nas palavras, é o que afirma essa linda mulher, essa Isabel querida. Ainda que leve tempo, ainda que leve dor.
O pintor Lucian, neto de Sigmund Freud, retrata seu neto Albie, um dos três filhos de sua filha Esther, em seu estúdio em Londres. Fotografia de David Dawson, cortesia de Hazlitt Holland-Hibbert na reportagem de Enrico Franceschini sobre Esther Freud in La Repubblica, 5 de setembro de 2010.
O bisavô, Sigmund Freud, inventou a psicanálise. O avô, Ernst, foi um grande arquiteto. O pai, Lucian, é um dos maiores pintores vivos. Ela, Esther, filha de Lucian, neta de Ernst e bisneta de Freud, é escritora. Enrico Franceschini foi a Londres escutar Esther Freud, além de presentear o mundo com esta carta de Freud a seu filho Ernst, em 1923 (abaixo reproduzida). Sensacional! De seu pai Lucian, com a fama de ter tido mais de 40 filhos, ao bisavô, Sigmund, para o qual ela declara não saber muito bem qual a influência que tem em sua vida, a despeito de ter se mudado recentemente para uma casa vizinha ao Museu Freud em Hampstead, Londres, Esther fala sem saber o que diz, diz mais do que gostaria, e recorda esta lembrança que seu pai gostava de contar sobre Freud: “Meu pai tinha 17 anos quando Sigmund Freud morreu. Ele lembrava do avô dizendo que ele era muito divertido. Tirava as dentaduras para ele e seus irmãos rirem e fazia piadas o tempo todo”. Franceschini conclui assim essa epifania dominical: “Às suas costas [de Esther], pendurada na parede, está uma grande fotografia: retrata seu pai, Lucian, pintando o retrato de seu filho, Albie. Em um ângulo da foto, no chão, se vê uma guimba de cigarro: “É a minha, eu estava sentada no chão do estúdio do papai, em Notting Hill, e lia o Hobbit para meu filho, para distraí-lo do longo tempo que estava sentado”. Ela silencia olhando o retrato. É o retrato de seu pai, o grande pintor? Ou de seu pai que retrata o seu filho, o mais pequeno dos Freud, ainda que traga o sobrenome do pai? Ou então quem sabe o verdadeiro sujeito desta imagem é aquele fora do quadro, é aquele que olha do exterior, é ela, Esther Freud? “Talvez este seja o retrato de todos nós. Eu não pensei que mais de uma geração de nossa família estivesse reunida juntas, na mesma casa”. Casa Freud. A casa que Esther enfim encontrou e parou então de sonhar [com ela]”. Pois há um outro sujeito bem explícito nessa fotografia: Sigmund Freud. Da psicanálise à arquitetura, à pintura, à literatura. Transmissão.
“A escola imbeciliza”. Na carta a seu filho Ernst, a finíssima ironia de Freud para com a educação: “Em casa, tudo bem. Anna é sem dúvida muito alegre, ainda que não veja em seu futuro nada que deseje. Heinele cresce bem, em geral, e nós só tememos se sua escola não vai conseguir transformar em imbecil também a esta criança. Harry se recupera da icterícia por causa de uma gripe”. Outro detalhe, a marca registrada nas despedidas de Freud em suas cartas: “De resto, Viena é muito repugnante”. Fonte: carta de Sigmund Freud a seu filho Ernst, em 5 de fevereiro de 1923 in La Repubblica, 5 de setembro de 2010.
Espetacular! Como são lindas as coxas da Jaqueline, vividas por essa maravilhosa atriz chamada Alexandra Richter. Quando esta novela começou, Alexandra demonstrou o que é uma epifania em interpretação. Cada fala sua, cada gesto, cada cena, exala um fino humor, uma ironia cheia de graça, uma busca desesperada pelo amor de sua vida, que escolheu sua melhor amiga e não ela, e aí, lá vai essa Jaqueline vibrante, essa Jaqueline cheia de tesão, uma mulher atrapalhada, uma mulher apaixonada, uma mulher transtornada. E as coxas? As coxas de Jaqueline merecem um tratado, uma ode, uma cartilha de alfabetização sexual para o mundo inteiro. Há um dengo ali, há um chamado, há um carinho naquelas coxas que desnorteiam, desarrumam, desfazem nós e correntes, as coxas de Jaqueline são correntezas. Foi Nani Moretti quem, no maravilhoso Caro Diário, fez a melhor crítica aos críticos de novelas, ao mostrar um personagem que resolve viajar para uma ilha sem televisão – e lá está o pobre, alguns dias depois, a correr desesperado para o ferry gritando “eu quero uma televisão”! Sensacional!! É uma bonita homenagem a Fellini que, no indispensável Amarcord, põem o louco a berrar do alto de uma árvore: “eu quero uma mulher”! Magnífico! As coxas da Jaqueline são assim. Fazem evocar, ardem, libertam, impulsionam. Como não lembrar daquelas outras, as da Sharon Stone, que, em contraste total com o Brasil, na América do Norte só puderam ser mostradas como as de uma assassina? Como não torcer para que as da Claudia Raia, outra Jaqueline, ai, ai, ai, finalmente se mostrem em Ti-ti-ti – aliás, que já teve as da magnífica Mayana Neiva desnudadas, no papel formidável de Desirée! Olha o nome, Desirée!! Uma última observação: obrigado Flávio Miglaccio. Em uma novela que tem a suprema Aracy Balabanian, uma gema de ouro a brilhar para sempre na existência de cada mortal, eis aí esse Fortunato impagável, incrível, fantástico. Vítima também da metalúrgica Gouveia, como o pai de Fred, eis a grande questão proposta por esse gênio chamado Sílvio de Abreu: o que é o roubo das jóias da Clara perto do roubo das vidas operada por essa perversa metalúrgica? Obrigado Sílvio de Abreu. Muito obrigado.