sexta-feira, 30 de julho de 2010
QUEM MATOU GETÚLIO VARGAS?
“A direita tentou dar um golpe a cada 24 horas para não permitir que as forças democráticas pudessem continuar neste país. Foram oito anos de ataques, provocações e infâmias. Eu mandei dizer a essa elite: vocês mataram Getúlio (Vargas), obrigaram (João) Goulart a renunciar e o Jânio Quadros durou seis meses. Se quiserem me enfrentar, não vou estar no meu gabinete lendo o jornal de vocês. Estarei nas ruas conversando com o povo brasileiro!” – presidente Lula em comício no ginásio Gigantinho de Porto Alegre. Fonte: Leila Suwwan in O Globo, 30 de julho de 2010.
É verdade que “a elite” existe, é verdade que “a elite” é dona de jornais, é verdade que “a elite” luta pelo poder o tempo todo. Porém, não é verdade que “a elite” matou Getúlio Vargas, não é verdade que “a elite” obrigou João Goulart a renunciar, não é verdade que “a elite” fez Jânio Quadros durar seis meses. Pior que “a elite”, mais forte que “a elite” é o que o genial Sigmund Freud descobriu em sua clínica depois de 50 anos de trabalho diário escutando gente doída, gente quebrada, gente dividida, gente sofrida demais, e que denominou de “pulsão de morte”. O que é a pulsão de morte? É uma força avassaladora do sujeito contra si mesmo, uma força de ataque 24 horas por dia, trabalhadora sem descanso, nem dó nem piedade, uma força sabotadora, força sacaneadora, força que vai contra o ideal aristotélico de que o ser humano busca o bem, busca a felicidade. Errado. O ser humano busca se ferrar o tempo todo, se machucar, se perder, se danar – sem querer...querendo. Getúlio Vargas fez isso ao se tornar um ditador fascista, João Goular fez isso ao construir sem saber e sem querer – essa força é inconsciente – a sua própria queda e Jânio Quadros fez isso ao renunciar. Este, pelo menos, distinguiu vagamente o problema. Chamou de “forças terríveis” a autora de sua trapalhada. A pulsão de morte é esse terrível na cara, no dia-a-dia, à vista o tempo todo – porém, disso, o sujeito nada quer saber – prefere acreditar na genética, se entupir com comprimidos e se benzer com rezas. Senhor presidente: não se combate essa força indo falar com o povo brasileiro – que sofre do mesmo mal. Essa força, senhor presidente, só com análise. À disposição, senhor presidente.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
O ESPÍRITO INVENCÍVEL
Fonte: O Estado de São Paulo de 22 de julho de 2010.
Para os pessimistas, para os céticos, para os descrentes, para os duvidantes, para os da oposição, para os derrotistas, para os negativos, para os calamitosos, para os medíocres, para os funestos, para os ruinosos, o Ministério da Verdade anuncia: durante quatro dias o Espírito Invencível vencerá. E depois? Não são permitidas perguntas. Não insistam.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
CONTRA O SILÊNCIO
Fonte: Mario Serenellini in La Repubblica, 25 de julho de 2010.
Sensacional! No La Repubblica de domingo, uma homenagem fabulosa ao artista-desenhista francês Moebius. Haverá uma exposição em Paris de 12 de outubro a 13 de março de 2011 na Fundação Cartier, “Moebius transe-forme”. Mario Serenellini foi a Paris escutar Moebius: “Aos seis, sete anos, me sentia já puxado por dois pólos de atração: a história da arte, com toda sua sacralidade soberana, a solenidade de uma catedral, e os quadrinhos, na época Mickey Mouse e Tintin. Eram duas vozes lutando dentro de mim: uma me empurrava para a rua dos meios de comunicação, a outra para o mundo mais vasto e aleatório da arte. No final da infância, me encontrei no meio do caminho dessa escolha, entre quadrinhos e a pintura. Mas, a arte já me parecia nessa época muito longínqua, eu já me sentia excluído dessa catedral. Os quadrinhos, ao contrário, tinham um ar mais acolhedor, convidativo, como uma corrente de ar fresco.” E aí, em meio a Piranesi, William Blake, Gustave Doré, as vozes materna e paterna, Moebius se vê diante do mistério: “Quanto mais um fenômeno é vago, inefável, tanto mais precisa deve ser sua descrição. É o trabalho da poesia, que revela o desconhecido através do conhecido. Uma maçã, na poesia, não é mais somente uma maçã. É o objetivo da arte transformar o mundo em algo enigmático, limpá-lo da obviedade. É por isso que amo a arte contemporânea. Marcel Duchamp, com as novas epifanias dos objets trouvés [“ready mades”, objetos da vida cotidiana deslocados para outras significações], fez uma inversão do sentido que libertou para sempre a visão e a refinou”. É o que reconhecia Folon sobre o trabalho de Moebius: “Moebius transforma uma pedra em montanha, vê o oceano em uma gota d’água”.” Conheci Moebius pela primeira vez através do Éder em Carazinho. Em sua Mounlinsart, Éder tinha um livro encadernado da revista Metal Hurlant, a edição de Portugal. É incrível isso. No meio de uma brutal ditadura militar – há sobre isso o relato excepcional de Elio Gaspari no maravilhoso e triste capítulo “A Roda de Aquarius” no seu imprescindível “A Ditadura Envergonhada” (ed. Cia. das Letras, 2002, da página 211 à 235 – é para se ler à cabeceira dos berçários – foi isso que o Supremo Tribunal Federal do Brasil ajudou a sepultar em infeliz e recente decisão sobre os desaparecidos), onde o silêncio e a disciplina eram as regras – “onde está meu tio?”, silêncio, “por que minha tia foi para a Itália?”, silêncio, lá vinha o Éder com Moebius!! Lá estava o que muito mais tarde virou “Blade Runner” e “Alien”, lá estava “Blueberry”, sensacional anti-herói inspirado nos gigantes Sergio Leone e Sam Peckinpah – há no Brasil uma pequena parte, os três primeiros livros da série, publicados pela editora Panini. Moebius para mim sempre significou esse irmão querido, novos horizontes, saídas, caminhos, mundos, respostas, a palavra no lugar do silêncio. Aliás, ri muito quando, sem querer e sem imaginar essa possibilidade, me deparo com Moebius em Lacan muitos anos depois. Era outro Moebius, agora o matemático, mas era o mesmo Moebius. Obrigado, Éder. Sem você, o silêncio teria vencido.
SEMPRE
“Titti: Ma dove vai? A sposarti?
Mascetti: Ti accompagno!
Titti: Si capisce!
Mascetti: Debbo parlarti.
Necchi, voce narrante: E parlò quasi un ora con voce ferma. La voce dell'uomo che vede chiaramente qual'è il suo dovere ed è deciso a farlo anche se gli costa metà del suo sangue.
Mascetti: Poi io ho già troppe colpe, verso quella povera disgraziata. Ci mancherebbe altro che rifacesse quel gesto. No, no. Non mi ci far nemmeno pensare perchè guarda, non potrei sopportare. Saprei capace di uccidermi pure io. Perchè vedi, tu sei giovane, e hai diritto ad essere incosciente, ma io no, no. Capisci? Si lo so, mi sto rovinando. Io non posso permettermi di ipotecare il tuo avvenire, non me lo perdonerei mai. Poi, poi tu a un certo momento potresti anche dirmi che tutte queste belle cose le sapevamo sin da prima... che magari questo è soltanto un pretesto per liberarmi di te, dopo che ho saputo... di quel tuo difettino. Poi difettino fino a che punto non lo so. No, no. La verità è un'altra. Bisogna saper guardare in faccia alla realtà. E' stato un sogno, un sogno molto bello e basta. Tu hai diciott'anni, io ne ho cinquantadue, non è per quei trentaquattranni di differenza che poi sarebbero il meno. E' che il nostro amore non può avere nessun avvenire. Coraggio. Eh, è meglio che ci togliamo il coltello dalla piaga... e non ci pensiamo più. Mah si è l'unica... ...addio Titti.
Titti: Addio merdaiolo, ci si vede domani al solito posto, a mezzogiorno!
Mascetti: No alla mezza, a mezzogiorno ho un pignoramento.
Titti: Va bene.”
Ugo Tognazzi no papel de Lello Mascetti e Silvia Dionisio como Titti, os amantes que se despedem...até o dia seguinte! O filme é “Amici Miei” (“Meus Caros Amigos”), de 1975, com direção de Mario Monicelli. No Brasil, existe em DVD pela Platina Filmes, R$ 19,00, com o nome “Meus Caros Amigos 1”.
SICILIANO
Marpesa vestida de Dolce & Gabbana, 1987. Fotografia de Ferdinando Scianna/Magnum Photos.
“Lucia Magi - Giuseppe Fava [jornalista assassinado pela Máfia em 1984] escreveu que a sua relação com a Sicília o faz sentir-se como alguém perdidamente apaixonado por uma prostituta. A paixão te cega, mas racionalmente a rechaças.
Ferdinando Scianna – Assim é. Por isso, da Sicília não sais. Da Sicília, foges. Não só isso. Ela é violenta, como o sol. Ali aprendes, desde pequeno, a se esquivar da luz do sol, porque ela te assa os pés e machuca os olhos, assim deves buscar a sombra. Por ter nascido ali, vejo o mundo como um choque de luz e sombra, branco e negro, um contraste bruto, sem cinza. Cartier-Bresson me confessou que considerava o momento ideal para tirar fotografias uma manhã com luminosidade velada, timbres matizados. Eu não consigo imaginar isso! Minhas fotografias, inclusive as de moda, são um exorcismo da luz desapiedada da Sicília.”
Ferdinando Scianna a Lucia Magi para o Babelia do El País, 24 de julho de 2010.
CINDERELA
Criação de Miuccia Prada para sua grife Miu Miu em anúncio no The New York Times, 22 de julho de 2010.
Sapatinho não, ela pediu à Fada. Eu quero Miu Miu. E então, com os cachinhos ao vento, ela, que sabia da perda certa, foi, sabida, advertida, possuída pelo movimento, ao léu, foi, desassossegada, pés furados, perfumados, passo a passo, vai, miada mimada, rastro de cheiros e dengos, aquilo que ele incorpora devagarinho, toma o corpo, amanhece. Certas perdas não são perdas.
O POETA QUE DISSE NÃO A PICASSO
“Retrato de Dora Maar” de Pablo Picasso, 1937 no Museu Picasso de Paris.
Rodrigo Fernández, correspondente do El País em Moscou, enviou de lá uma história saborosa. Às vésperas de completar 77 anos, o poeta russo Yevgueni Yevtushenko se presenteou com um museu construído em Peredélkino, a “vila dos escritores”, localizada às margens de Moscou, aos arredores, nos arrabaldes, no lugar que em Carazinho nós damos o justo nome de zona, lugar-limite, na fronteira, fora do centro, deslocado, desviado, retirado. Neste não-lugar, o poeta contou como é que chegou em suas mãos o desenho de Pablo Picasso que ele doou ao Estado junto com o resto de fotografias e escritos que fazem parte agora do acervo deste museu. Foi assim: um dia Picasso ofereceu a Yevtushenko a fabulosa possibilidade de escolher qualquer uma das telas que tinha naquele momento em seu ateliê. O poeta respondeu a Picasso: “Não posso aceitar, pois não gosto de nenhuma”. O pintor, espantado, lhe perguntou qual a razão desse desgosto. E aí Yevtushenko respondeu que com toda a certeza uma mulher tinha ferido Picasso profundamente e por causa disso ele tratava tão mal a todas elas em suas obras - “Eu, ao contrário, adoro as mulheres, porque durante a guerra, na Sibéria, fui criado por duas magníficas: minhas avós.” Sensacional! Aliás, o próprio Yevtushenko se compara ao contar isso com a inesquecível, magnífica Nastácia Filíppovna, personagem que tomou conta de Dostoiévski e o obrigou a escrevê-la em “O Idiota” - em português, na ótima tradução de Paulo Bezerra – o que segue está na p. 204, ed. 34, 2002 -, no instante em que ela joga um pacote de cem mil rublos no fogo! Epifânica mulher! Yevtushenko-Nastácia disse não a Picasso. De poeta para poeta.
FODIDOS
Fotografia de Jennifer Zdon na primeira página do The New York Times de 17 de julho de 2010. Trata-se de uma reunião de alguns moradores da cidade de Lafitte, na Louisiania, com o representante da empresa britânica British Petroleum, sobre as indenizações que a empresa pagará pelos danos causados à vida delas devido à explosão da plataforma de extração de petróleo “Deepwater Horizon”, ocorrida há 90 dias no Golfo do México e que causou a morte de 11 trabalhadores e o vazamento de mais de 148 milhões de litros de petróleo no mar.
Fodidos. Entre o Estado gastador, voraz, gigante descontrolado, bêbado de tanto arrecadar, e a iniciativa privada, a Empresa titânica, exploradora de toda a força e vida, vampira louca, assassina, sedenta do gozo máximo do lucro sem perda, sem custo, sem risco, eis aí o resto dos fodidos, dos que não encaixam na equação, dos sem-nomes, crowds crows, corvos, não-gente, cidadãos de araque, eleitores de nada, sem salário nem sinecuras nem quotas de ações, os de fora da festa, telespectadores do gozo, da fama, da glória alheias. Sobrou, sobraram. Mas, esses fodidos não são todos iguais. Há os fodidos bem sentados, ordenados, enfileirados, há esse fodido no chão, literalmente só, a própria imagem do desamparo, e há os fodidos em pé. Quiçá alguns desses consigam andar por aí, inventar novos horizons, navegar entre essa Cila devoradora e esse Caribde fanático sem naufragar, fazer um nome. Quiçá.
terça-feira, 27 de julho de 2010
AFUNDAÇÃO
Continuar. Aqui vai a continuação, a repetição, a fixação, a obsessão, a insistência, o martelar dia a dia, trabalho de ferreiro. Que este novo endereço sei lá, que o caminhar por aqui nem sei dizer, que após esses anos venham outros, assim assim, de palavra em palavra, ato de fundação que, se mover uma letra de lugar, vira afundação, lindo isso, é isso, afundar sempre, afundar melhor, afundar com quem me interessa, ai, ai, ai. Está oficialmente afundado este blog. Cheio de furos – belíssimo.
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