quarta-feira, 28 de julho de 2010

O POETA QUE DISSE NÃO A PICASSO














“Retrato de Dora Maar” de Pablo Picasso, 1937 no Museu Picasso de Paris.

Rodrigo Fernández, correspondente do El País em Moscou, enviou de lá uma história saborosa. Às vésperas de completar 77 anos, o poeta russo Yevgueni Yevtushenko se presenteou com um museu construído em Peredélkino, a “vila dos escritores”, localizada às margens de Moscou, aos arredores, nos arrabaldes, no lugar que em Carazinho nós damos o justo nome de zona, lugar-limite, na fronteira, fora do centro, deslocado, desviado, retirado. Neste não-lugar, o poeta contou como é que chegou em suas mãos o desenho de Pablo Picasso que ele doou ao Estado junto com o resto de fotografias e escritos que fazem parte agora do acervo deste museu. Foi assim: um dia Picasso ofereceu a Yevtushenko a fabulosa possibilidade de escolher qualquer uma das telas que tinha naquele momento em seu ateliê. O poeta respondeu a Picasso: “Não posso aceitar, pois não gosto de nenhuma”. O pintor, espantado, lhe perguntou qual a razão desse desgosto. E aí Yevtushenko respondeu que com toda a certeza uma mulher tinha ferido Picasso profundamente e por causa disso ele tratava tão mal a todas elas em suas obras - “Eu, ao contrário, adoro as mulheres, porque durante a guerra, na Sibéria, fui criado por duas magníficas: minhas avós.” Sensacional! Aliás, o próprio Yevtushenko se compara ao contar isso com a inesquecível, magnífica Nastácia Filíppovna, personagem que tomou conta de Dostoiévski e o obrigou a escrevê-la em “O Idiota” - em português, na ótima tradução de Paulo Bezerra – o que segue está na p. 204, ed. 34, 2002 -, no instante em que ela joga um pacote de cem mil rublos no fogo! Epifânica mulher! Yevtushenko-Nastácia disse não a Picasso. De poeta para poeta.

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