quarta-feira, 6 de abril de 2011

64

Cartaz do 64º aniversário do Festival de Cannes de 2011. Fotografia de Faye Dunaway aos 29 anos por Jerry Schatzeberg, quando ela modelava para a revista Esquire e ele a convenceu a ser a estrela de um filme sobre uma problemática modelo em Nova Iorque, às voltas com seus tropeços e suas memórias. O filme se chamou “Puzzle of a Downfall Child” e foi feito em 1970, sem título e, ao que parece, nunca lançado no Brasil. Poderia se chamar “O enigma de uma mulher em queda”. “Puzzle” também significa “quebra-cabeça” e “downfall”, “ruína”. Porém, uma mulher em queda também quer dizer em português caída por algo, interessada por outra coisa, atraída novamente pelo inesperado, pela promessa de um diferente caminho – aliás, os italianos traduziram muito bem isso como “Mannequin – Frammenti di una donna”. “Frammenti” tem uma ligação com “ruína”, mas não penso no sentido ruim de ruína, de algo parado no tempo como se fosse um museu, mas sim como fragmentos, pedaços partidos que podem virar novos encaixes, cenas diferentes de um quebra-cabeça e que, quando juntados de outra maneira, à la kama sutra, podem adquirir surpreendentes significações – daí o enigma em questão. O que kama sutra está fazendo neste texto? Passo. Ao mesmo tempo, falar em memória não é falar de restos e de pedaços, daquilo que sobrou e que, novamente mexidos e remexidos, ganham vida de novo? Ficou melhor que a tradução francesa “Portrait d'une enfant déchue”, algo como “Retrato de uma menina caída”. O maravilhoso Le Robert traz um exemplo lindo sobre isso: “Ange déchu”, “privé de l'état de grâce”, um “anjo caído, privado do estado de graça”. Pois é, para o gosto de alguns, essa Eva já caiu. Eu prefiro pensá-la em queda, no movimento da vida, caminhando, uma graça – mesmo que, desgraça, não quero escrever mais, para bem longe de mim. O filme será apresentado em cópia restaurada durante o festival. A arte do cartaz é do estúdio H5, dos artistas M. Lelièvre e B. Parienté.

Nenhum comentário:

Postar um comentário