domingo, 10 de abril de 2011

RESSACA

Fonte: The New York Times Book Review, 10/4/2011.

O genial italiano Emilliano Ponzi, de Milão, é o autor desse desenho maravilhoso que ilustra a capa do caderno de livros do The New York Times. A ilustração faz parte da excelente resenha de Robin Romm sobre o livro “Say her Name” [Diga o nome dela] de Francisco Goldman, editora Grove Press. O que fez Ponzi? Ponzi leu esse trecho do livro citado por Romm, sobre a viagem de Francisco com sua esposa Estrada, pouco antes dela morrer afogada em uma outra praia. Aqui eles estão numa viagem à Tulum, no México:

“Soon we were watching the iridescent pastels of the sunset spreading over the water and blazing in the sky above the strip of jungle between us and the ocean, the whole place throbbing with bird calls, as if every glowing tree and plant hid a boisterous bird or two, and we both felt stunned into separate peaceful meditations on the crazy sublimity of what we were witnessing, each of us filling with a sense of mystical wonder and loneliness that merged into one mystical wonder and loneliness together.” [Logo, nós estávamos olhando para o pôr do sol em arco-íris espalhado sobre a água e ainda brilhando sobre o céu acima da faixa de floresta entre nós e o mar, o lugar inteiro vibrando com o canto dos pássaros, como se cada árvore, cada planta os escondessem de nós, e, atingidos no coração de nossos pensamentos amortecidos pela grandiosa beleza ao nosso redor, cada um foi preenchido por um senso de deslumbramento místico e solitário que se fundiu na maravilha de viver isso juntos”].

E o livro é exatamente isso, a memória da maravilha que é a vida, antes dela ser tirada, antes dela ser extinguida, antes dela não mais ser. Cada letra aqui celebra essa passagem do um para o múltiplo, para esse “juntos” tão lindo, tão querido, tão difícil, tão improvável e, por isso mesmo, tão desejado. O que fez Ponzi diante dessa beleza sublime? Respondeu com uma epifania. Aí está um casal, na fronteira da vida, na franja, na borda, na véspera do não-casal – ela já misturada com as ondas, o vestido de noiva feito de ondas, as ondas da vida feitas ondas da morte – as que levam, as que buscam, as que quebram a união e devolvem a solidão – mas aí, eis a arte, eis a trapaça do humano, eis o que Bergman viu em O Sétimo Selo, quando pôs o sujeito a jogar xadrez com a morte – escrever significa ganhar mais um segundo, mais um minuto em que se possa celebrar a memória, recordar o que vivemos, celebrar o que resta – e não é pouco. A morte vencerá, mas não do jeito dela. Fazer arte significa adiar o final da partida, fazer de conta que ela nunca mais terminará. É por isso que toda arte, seja ela literatura, o cinema, seja pintura, seja escultura, seja o amor, será sempre um conto de fadas – era uma vez, éramos, seremos para sempre. Fazer de conta é fundamental. Daí a ressaca, esse “undertow” magnífico, o forte movimento barulhento que anuncia a chegada mas também a noite passada em claro no trabalho de fazer de conta.

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