Fonte: primeira página do Globo, 10/1/2011.
Há um instante em Édipo Rei de Sófocles em que, ao saber de Tirésias que ele, Édipo, é o matador buscado, o assassino do rei, logo, o causador da peste que assola a cidade, a causa do mal, Édipo faz a seguinte pergunta a Tirésias:
“ÉDIPO:
Creon armou o ardil ou é obra tua?” (Édipo Rei de Sófocles na tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 55)
Essa pergunta sempre retorna na política. Por exemplo, agora nos Estados Unidos. O que o Tea Party tem a ver com o atentado contra a deputada do Partido Democrata? A resposta é: nada. Querer que Sarah Palin, o Creonte da vez, se cale ou modere seu discurso é acreditar no pior remédio inventado nos Estados Unidos contra a política e a vida cotidiana: a praga do politicamente correto. Juliana Vaz e Marco Rodrigo Almeida trouxeram na Folha de São Paulo de sábado a notícia de que a obra “As Aventuras de Hucleberry Finn” ganhou uma “nova versão” corrigida por um professor universitário – pasme! – em que ele substituiu a palavra “nigger”[negão] da obra original por “slave” [escravo]. Imaginem o que esse professor vai fazer com Shakespeare! Ou com a Bíblia! Pois bem, deve-se censurar esse professor? De jeito nenhum. Que publique, que vá à praça pública defender seu trabalho, que funde uma universidade, que frequente o Tea Party. Porém, o mesmo vale para cada um que defender o contrário dele, que quiser fundar o Caipirinha Party, a Feijoada Party ou publicar o que lhe der na telha. Isso já existe nos Estados Unidos e é uma das coisas mais lindas de lá – infelizmente ausente no Brasil, ver neste quesito o processo da Folha de São Paulo contra o blog Falha de São Paulo, terrível, ou então a retirada e processo legal contra quem publica livros ou panfletos considerados racistas ou nazistas no Brasil. Ter uma fantasia racista ou nazista não significa ser um criminoso. Aliás, como prevenir esse tipo de crime acontecido nos Estados Unidos? A resposta é: o Estado nunca vai conseguir prever ou impedir de acontecer um surto psicótico, um surto neurótico ou um surto perverso – diferente de combater um grupo armado terrorista. Surto significa descontrole – causado por qualquer coisa que seja significante para o surtado – pode ser a letra de uma música tocada por um vizinho, pode ser a cor de uma camisa, pode ser o nome de um supermercado, enfim, hoje foi a deputada democrata, amanhã pode ser um senador republicano, depois de amanhã um colega da escola, e assim por diante. Querer impedir isso de acontecer é querer abolir a pulsão da esfera humana. O que é a pulsão? É a deriva, é o incontrolável, é o feio, é o errado, é o bizarro, é o trash e também o sublime, o bonito, o diverso, o inesquecível humano, demasiado humano, o avesso do instinto. O comunismo tentou barrar a pulsão por decreto. Deu certo? Então que o leitor imagine o que é viver sob o regime de Vladimir Putin ou outro escroque qualquer, Chávez, Fidel ou o antigo camarada Mao – China agora “modelo” de educação para o mundo – pasme de novo! – porque suas crianças tiram as melhores notas nos testes de matemática e de ciência! Ora, como é que um prisioneiro obrigado a estudar 16 horas por dia pode ir mal numa porcaria dessas?
Lindo, lindo texto!
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