quinta-feira, 10 de março de 2011

CARTA AO GOVERNADOR

O governador do Estado do Paraná, Beto Richa, cumprimentado pelo ator Ary Fontoura no Camarote da Brahma no Sambódromo do Rio de Janeiro. Fotografia de Jader da Rocha publicada na coluna de Reinaldo Bessa in Gazeta do Povo, 8/3/2011.

Prezado governador Beto Richa,

Escrevo-lhe com o propósito do debate. Me incomodou vê-lo, neste carnaval, vestido com a camiseta da Brahma em um dos camarotes da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Sei das intenções desta empresa em deixar Curitiba e até de deixar o Paraná à procura de menos impostos. Sei também que o senador e ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, também vestiu a camiseta da cervejaria Devassa, nesta mesma noite de carnaval. Também sei do acontecido com o ex-presidente Lula que aceitou o “cachê” de 200 mil reais para “motivar” vendedores de televisão LG em evento recente. Porém, senhor governador, na hora lembrei de um livro não muito conhecido que se chama “Os Dois Corpos do Rei”, do genial historiador judeu alemão, Ernst Kantorowicz, publicado no Brasil pela Cia. das Letras. Nesta obra magistral, Kantorowicz esclarece que um Rei não tem apenas um corpo, mas dois. Há o corpo pessoa física, digamos assim, o corpo profano, o corpo do espaço íntimo, privado, familiar, e há o corpo pessoa jurídica, o corpo sagrado, o corpo público, o corpo que encarna a representação do poder que lhe foi outorgado. Se é verdade que o corpo profano está sujeito às paixões da carne e da fantasia individual, é um corpo que pode adoecer, o problema é o corpo sagrado. Esse corpo não dorme, esse corpo não descansa, esse corpo não tira férias. E é nesse sentido que a questão importuna: entendo sua busca de objetividade, clareza e definição junto a uma das maiores empresas do mundo, ou seja, os empregos que isso representa, os tributos, enfim, tudo aquilo que afeta um Estado como o Paraná. Porém, o senhor já veste uma camiseta, a de governador do Estado do Paraná. Por que colocar por cima dela a camiseta de uma empresa nem mesmo nacional? Para terminar, Bernardo Mello Franco trouxe na Folha de São Paulo do dia 5 a notícia de que um grupo de executivos desiludidos com o PSDB e com o DEM articula o lançamento de uma legenda sem políticos, o Partido Novo, com a promessa de uma “gestão empresarial” na política. Ora, senhor governador, percebo que o senhor trouxe com sua eleição já na época de prefeito esta marca de uma nova política para o Paraná, não mais a política do pior paternalismo, do pior intervencionismo do Estado, mas sim a do dinamismo de alguém com novas ideias e novos projetos, essa espécie de “gestão empresarial” aí anunciada. Sinceramente eu desejo não só que o senhor acerte, mas também que o Partido Novo consiga se estabelecer. Nada vejo de errado em querer trazer o melhor da gestão empresarial para o Estado. Ao contrário. Penso que o Estado só pode se beneficiar disso. Por outro lado, me preocupa a ideia ingênua e perigosa de que para fazer isso seja necessário excluir “os políticos”, deixando presente só “os empresários”. E é justamente aí que me parece residir o problema de vestir a camisa de uma empresa. Uma empresa representa apenas o interesse de um pequeno grupo de acionistas – por mais pulverizado que seja o número deles. Um Estado é diferente. Ele não foi feito só de duas ideias fixas, a de lucrar mais e gastar menos. Há, por exemplo, na formação de um Estado a importante ideia de formar cidadãos – e isso é muito diferente de formar consumidores. Este mesmo camarote que o senhor esteve só existe hoje graças a um projeto político que foi impiedosamente combatido pelas maiores empresas do Brasil e do mundo, entre elas a Rede Globo de Televisão. Xingaram o ex-governador Leonel Brizola de tudo. Riram de Brizola, fizeram campanha contra Brizola, ridicularizam do início ao fim a construção de uma passarela para o samba. E Brizola, contra tudo e contra todos mas, principalmente, contra essa ideologia da “gestão empresarial”, construiu o Sambódromo. O problema da política não está nos políticos, mas sim em quem tenta isolar dela esse corpo sagrado do público, de uma República, da ideia maravilhosa de um lugar fixo, permanente na cidade que preserve sua cultura, sua educação, as raízes do futuro de uma nação. É por isso, senhor governador, que lhe faço estas observações. Cuidado com o corpo sagrado da política. Ele é muito precioso. A política ainda é o espaço onde podemos debater, discordar e fundar novas ideias. Em uma empresa, os donos podem fazer isso – aos empregados, cabe obedecer. Inclusive quando recebem o aviso de demissão.

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