Thatiana Pagung como a Ninfa antes de virar Medusa, no desfile da Vila Isabel, em 6/3/2011. Fotografia de Felipe C. Neil/Agência O Dia.
Lágrimas brotaram de meus olhos quando vi Thatiana Pagung como Ninfa na Vila Isabel. Não só isso. Quando ouvi sua voz, escutei suas palavras na dispersão da escola, fui transportado para outro lugar. Pois ela falou em feitiço, ela falou no poder feminino de encantar um homem – e eu ali de lado, eu ali misturado nos seus cabelos, só conseguia mover a cabeça concordando – minha visão cega, meu sangue imóvel, eu-pedra, uma rocha só. Pouco antes, lá estava ela, a Thatiana, na comissão de frente da Escola que trazia a Medusa em segundo plano, uma Medusa ameaçadora, apavorante, terrível. No entanto, à frente da frente, eis a Thatiana-Ninfa, a ainda-não-Medusa, esse instante precioso em que uma moça vira núbil, aquela que está pronta para o casamento, um modo grego de chamar uma mulher de virgem. Eis o ponto. Thatiana como a virgem, não a Maria – estamos muito longe da pudica Beija-Flor, com aquele horroroso Cristo-Carlos, um pesadelo – mas uma virgem acolhedora, uma virgem ajudante de Perseu nos segredos de como lidar com seu lado Medusa. Eis o segundo ponto. Uma mulher é sempre Ninfa e Medusa. Aliás, quem melhor viu isso foi o jornal Meia-Hora do Rio. Em sua antológica primeira página do dia 8, trazia a seguinte manchete: “Sapucaí de perder a cabeça – Mulherada tá sem freio no carnaval do Rio”. Genial! Enquanto o recalcado O Globo trazia pífias notícias e fotografias do carnaval, os psicóticos Folha de São Paulo e Estado de São Paulo faziam de tudo para negar a existência do dito cujo. Vade retro! Já no Meia-Hora, esse sensacional “mulherada tá sem freio”. Ora, não é só no carnaval que a “mulherada tá sem freio”. Essa é a própria condição feminina – daí uma das razões que levaram Lacan a escrever sua tese de doutorado jamais aceita nas universidades em uma única frase: “não há relação sexual”. Os doutores e pós-doutores estão irados até hoje com isso – como apresentar uma tese em uma linha, quando eles, para não dizerem nada, escrevem 200 páginas? Já os leigos pulam das cadeiras. Como assim? Não se trepa mais? É que Lacan distingue o ato sexual da relação sexual. No caso em questão, pode-se levar uma ninfa para a cama, porém a Medusa quer algo “a” mais. Aí vem o neurótico obsessivo do Perseu com a solução mágica de matar a Medusa! É a antiga solução daquele bandido de Elêusis, o Procusto – cortar fora ou esticar até caber na cama. O único senão deste método antes de Descartes é o de matar a ninfa junto. Ora, respondem os sábios-homens, a fila anda – é a resposta daquele mestre chamado Don Juan. Retornando à Vila Isabel, à morada da Isabel, a estes cachinhos dourados da diferença, ondulantes, serpenteantes, desenfreados, o problema masculino está no medo de perder a cabeça. É que os homens também são, a seu modo, virgens. Eles querem possuir sem serem possuídos, sem perder nada – como se a perda devesse ficar para a mulher – é por isso também que eles formam um conjunto, o conjunto daqueles que tem a força, os He-Men, ao contrário das hímen-virgens, que não formam conjunto. De minha parte, desconjuntado há tempos, dancei com Thatiana, isabelei-me de vez. E não acaba na quarta-feira.
Lágrimas brotaram de meus olhos quando vi Thatiana Pagung como Ninfa na Vila Isabel. Não só isso. Quando ouvi sua voz, escutei suas palavras na dispersão da escola, fui transportado para outro lugar. Pois ela falou em feitiço, ela falou no poder feminino de encantar um homem – e eu ali de lado, eu ali misturado nos seus cabelos, só conseguia mover a cabeça concordando – minha visão cega, meu sangue imóvel, eu-pedra, uma rocha só. Pouco antes, lá estava ela, a Thatiana, na comissão de frente da Escola que trazia a Medusa em segundo plano, uma Medusa ameaçadora, apavorante, terrível. No entanto, à frente da frente, eis a Thatiana-Ninfa, a ainda-não-Medusa, esse instante precioso em que uma moça vira núbil, aquela que está pronta para o casamento, um modo grego de chamar uma mulher de virgem. Eis o ponto. Thatiana como a virgem, não a Maria – estamos muito longe da pudica Beija-Flor, com aquele horroroso Cristo-Carlos, um pesadelo – mas uma virgem acolhedora, uma virgem ajudante de Perseu nos segredos de como lidar com seu lado Medusa. Eis o segundo ponto. Uma mulher é sempre Ninfa e Medusa. Aliás, quem melhor viu isso foi o jornal Meia-Hora do Rio. Em sua antológica primeira página do dia 8, trazia a seguinte manchete: “Sapucaí de perder a cabeça – Mulherada tá sem freio no carnaval do Rio”. Genial! Enquanto o recalcado O Globo trazia pífias notícias e fotografias do carnaval, os psicóticos Folha de São Paulo e Estado de São Paulo faziam de tudo para negar a existência do dito cujo. Vade retro! Já no Meia-Hora, esse sensacional “mulherada tá sem freio”. Ora, não é só no carnaval que a “mulherada tá sem freio”. Essa é a própria condição feminina – daí uma das razões que levaram Lacan a escrever sua tese de doutorado jamais aceita nas universidades em uma única frase: “não há relação sexual”. Os doutores e pós-doutores estão irados até hoje com isso – como apresentar uma tese em uma linha, quando eles, para não dizerem nada, escrevem 200 páginas? Já os leigos pulam das cadeiras. Como assim? Não se trepa mais? É que Lacan distingue o ato sexual da relação sexual. No caso em questão, pode-se levar uma ninfa para a cama, porém a Medusa quer algo “a” mais. Aí vem o neurótico obsessivo do Perseu com a solução mágica de matar a Medusa! É a antiga solução daquele bandido de Elêusis, o Procusto – cortar fora ou esticar até caber na cama. O único senão deste método antes de Descartes é o de matar a ninfa junto. Ora, respondem os sábios-homens, a fila anda – é a resposta daquele mestre chamado Don Juan. Retornando à Vila Isabel, à morada da Isabel, a estes cachinhos dourados da diferença, ondulantes, serpenteantes, desenfreados, o problema masculino está no medo de perder a cabeça. É que os homens também são, a seu modo, virgens. Eles querem possuir sem serem possuídos, sem perder nada – como se a perda devesse ficar para a mulher – é por isso também que eles formam um conjunto, o conjunto daqueles que tem a força, os He-Men, ao contrário das hímen-virgens, que não formam conjunto. De minha parte, desconjuntado há tempos, dancei com Thatiana, isabelei-me de vez. E não acaba na quarta-feira.
Fonte: Meia-Hora, Rio de Janeiro, 8/2/2011.
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